82 AGROFLORESTAL: RADIOGRAFIA DO SETOR aos incêndios florestais. No entanto, a morfologia portuguesa, e na opinião da Zero, os impactes são diversos e nem todos serão negativos. Como explica o seu presidente, genericamente, as alterações climáticas em Portugal manifestam-se com um aumento da aridez de vários territórios, provocando dinâmicas que têmmodificado os territórios florestais, reduzindo a área de aptidão bioclimática de determinadas espécies florestais, como é o caso do sobreiro. “Estas alterações levam também à emergência ou acentuação de riscos bióticos e abióticos. Algo manifestamente visível no que respeita aos incêndios florestais é o aumento de severidade devido à conjugação com ondas de calor e situações de seca prolongada”, aponta. Não é por acaso que, como refere Sofia Santos, Portugal já foi identificado num estudo do Banco Central Europeu como um dos países com maiores riscos climáticos. “As alterações climáticas levam a uma maior probabilidade de ocorrência de incêndios e isso é algo que a floresta portuguesa conhece bem. Portanto, se nada for feito, a nossa floresta corre o risco de arder ainda mais com as alterações climáticas”, afirma, acrescentando que, no entanto, a floresta também faz parte da solução no combate às alterações climáticas, pois ao sequestrar carbono, consegue diminuir o impacte das alterações climáticas. “Ou seja, quanto mais se proteger a floresta, e mais ela conseguir ser ocupada do ponto de vista de valorização dos seus serviços dos ecossistemas, mais ela contribui para diminuir o risco de incêndio”, conclui Sofia Santos. Já José Luís Carvalho, responsável pelo departamento de inovação florestal da Navigator, afirma que o problema da floresta não se resume aos incêndios. E que se deve olhar para eles antes de os mesmos acontecerem. E isso passa por “cuidar dos terrenos”. Porque quando há terrenos cuidados, quando as terras estão cultivadas, o “risco baixa drasticamente”. O especialista aponta ainda a necessidade de simplificar os processos. E dá como exemplo o replante de espécies. O que poderia ser algo simples torna-se complexo. E o investimento no setor é importante, não só pelo seu valor económico, como porque pode ser uma ferramenta no combate à desertificação do País. Sobre isso Francisco Ferreira aponta que as florestas e as superfícies agroflorestais ocupam a maior parte da área do País, cerca de 47% segundo o COS 2018. Ou seja, o ordenamento florestal e as práticas de gestão da floresta manifestam-se no estado do território. “Há que ter em conta que quando falamos de desertificação o solo está no centro, ou seja, é o seu processo de degradação (física, química ou biológica) que causa a degradação das terras que constitui o processo de desertificação”, refere o ambientalista, acrescentando que a floresta protege alguns dos solos mais vulneráveis e produz um conjunto de serviços de regulação e de suporte que permitem desempenhar funções, por exemplo, de conservação da água e de prevenção da erosão. No entanto, “infelizmente, a floresta de produção em Portugal tem sido também determinante no desordenamento dos muitos espaços rurais, levando a opções de risco na aposta em plantações monoculturais com espécies que aumentam a severidade potencial dos incêndios, por vezes implementadas em áreas desadequadas e com práticas lesivas dos ecossistemas, em particular do solo”. A título de exemplo, a Zero destaca a emergente indústria de pellets, cuja procura por biomassa tem criado pressões sobre os sistemas florestais no sentido de se removerem mais materiais orgânicos que poderiam vir a contribuir para a incrementar a matéria orgânica dos solos, ao mesmo tempo que se coloca a queima de biomassa em competição com outros usos mais compatíveis com a sustentabilidade das florestas. Sofia Santos, por seu lado, tem uma visão mais economicista da questão. Como refere a executiva, “deveríamos conseguir olhar para a floresta como um potencial de economia regenerativa integrada, capaz de criar atividade económica e de manter a qualidade dos serviços dos ecossistemas, conseguir olhar para a floresta como um potencial de economia regenerativa integrada, capaz de criar atividade económica e de manter a qualidade dos serviços dos ecossistemas. O setor agroflorestal deveria ser visto como um setor inovador, inclusivo e com um imenso potencial de originar vários produtos e serviços. Com esta abordagem, de floresta e agricultura como setor económico inovador, teríamos um número crescente de jovens e técnicos a querer criar atividade económica na floresta. É possível criar atividade económica na floresta sem a destruir.” É frequente falar-se que a tecnologia ajuda o homem e o meio ambiente. No caso específico do setor agroflorestal, isso pode não ser bem assim. Pelo menos em Portugal, dado que, como aponta Francisco Ferreira, há lacunas fundamentais, como a ausência de mecanismos eficazes de produção de conhecimento contextualmente relevante e a sua dispersão pelos territórios. “Não existe extensão rural nem articulação entre estruturas que permita criar algo funcionalmente equivalente. Mesmo os AKIS (Agricultural Knowledge and Innovations Systems) implementados por força dos quadros comunitários de apoio estão muito longe de serem funcionais, devido à sua fragmentação e falta de coordenação”, afirma o ambientalista. A par, claro, da eterna questão dos orçamentos. “As verbas públicas que estão previstas para a produção de conhecimento e serviços de apoio são irrisórias. Veja-se a verba prevista para medidas diretamente ligadas ao conhecimento
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