BF10 - iAlimentar

ENTREVISTA 19 Também o impacto ao nível da saúde pública, consumo de água, desflorestação e emissões de gases com efeito de estufa está bem documentado e já ultrapassou os limites (a segunda maior contribuição a seguir ao setor energético). Assim, nas próximas décadas, apenas podemos limitar os danos e abrandar ao máximo o ritmo de crescimento da produção tradicional nas condições atuais. Este objetivo só é alcançável através do recurso às proteínas alternativas (plantas, carne celular e fermentação de precisão). Como se pode limitar o impacto ambiental em termos de emissões de gases com efeito de estufa, consumo de água, desflorestação, e riscos para a saúde devido à utilização intensiva de hormonas, antibióticos, etc.? Há sempre espaço para “apertar a malha” em termos do controlo do impacto ambiental. A redefinição dos limites legais, a criação de “impostos verdes”, a diminuição da elevada subsidiação do setor, etc… Mas só se atingem resultados significativos com políticas positivas de incentivo e apoio ao investimento em investigação e desenvolvimento das novas (bio)tecnologias do setor agroalimentar. O mundo precisa de soluções alternativas. Em que medida os modernos produtos de proteínas vegetais são viáveis? O consumidor vai mudar os seus hábitos seculares e deixar de comer carne e peixe? Não acredito que tal seja possível ou que faça sentido. A proteína animal continua a ser a melhor proteína para a alimentação humana. No entanto, a alimentação humana não pode continuar a depender da mesma forma de uma indústria tão ineficiente e tão insustentável. Como pode a carne cultivada ser uma verdadeira alternativa? Há grandes desafios a ultrapassar até a carne cultivada chegar às prateleiras dos supermercados ou aos pratos dos restaurantes. A carne cultivada será uma verdadeira alternativa quando a sua textura e sabor forem otimizadas, quando o preço de custo se aproximar do produto tradicional (paridade), e, principalmente, quando houver capacidade industrial instalada suficiente para abastecer uma percentagem mínima significativa do grande mercado de proteína alimentar, que está avaliado em mais de três triliões de dólares por ano. Estas metas demorarão anos e décadas a serem gradualmente atingidas. Qual o status da tecnologia neste segmento da indústria alimentar no mundo e em Portugal? Já há carne cultivada no mercado? Sim, neste momento Singapura (2020) e Estados Unidos da América (2023) já aprovaram a comercialização de vários produtos de carne celular (frango), estando prevista a aprovação em muitos outros países (nomeadamente na Comunidade Europeia, Reino Unido, Japão, China, Austrália) gradualmente ao longo dos próximos anos, incluindo de novas espécies. Qual é a reação dos consumidores? Não existe ainda uma reação dos consumidores à prova, dada a escassez da oferta. No entanto, as provas cegas já realizadas têm tido resultados surpreendentes, com a maioria dos críticos gastronómicos e chefs a não conseguir distinguir a carne cultivada (cozinhada em forma granulada) da carne de produção tradicional. As dezenas de inquéritos realizados por todo o mundo revelam uma grande abertura e curiosidade na prova e no consumo regular, principalmente entre os jovens e segmentos com maior escolaridade (mais conscientes da crise ambiental). Quais são os principais desafios tecnológicos e como analisa o cenário de investimento? Há muitas empresas em atividade no mercado? Os principais desafios tecnológicos são a redução do custo (paridade), o aumento exponencial da capacidade instalada (scale-up) e a imagem do produto final (granulado versus corte/filete). Nos últimos três anos, o investimento neste setor explodiu, existindo neste momento cerca de 150 empresas em todo o mundo (a Cell4Food é a única em Portugal), que já captaram quase quatro mil milhões de dólares acumulados em capital privado. Um número crescente de Estados estão a promover linhas e fundos públicos de financiamento e apoio à investigação e desenvolvimento, nomeadamente a Holanda, Reino-Unido, Estados Unidos da América, Israel e China. No entanto, estes fundos visam essencialmente a fase inicial de investigação, até à construção de unidades industriais piloto. As construções de unidades industriais à escala alimentar vão exigir triliões de dólares de investimento ao longo de décadas para se atingir uma dimensão significativa. “Só se atingem resultados com políticas de investimento em investigação e desenvolvimento das novas (bio)tecnologias do setor agroalimentar”

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