ENTREVISTA 21 Como se posiciona o projeto de aquacultura celular da Cell4Food no mercado? O projeto foi apresentado ao mercado na 1° Conferência Internacional de Agricultura Celular, realizada este ano, em Braga. A reação do setor foi muito positiva e criou uma grande expectativa devido essencialmente à escolha do Polvo, uma espécie cefalópode com caraterísticas neurológicas e biológicas muito diferenciadas. Que outros projetos estão a desenvolver para o setor alimentar? Estamos a investir no desenvolvimento de outras espécies (peixes e crustáceos), quer para a alimentação humana quer para rações para animais de estimação (setor em forte crescimento, de alto valor acrescentado e com mais rápido acesso ao mercado). Qual a relevância da inovação aplicada e investigação colaborativa para incrementar a produção de proteínas cell-based no setor alimentar? É fundamental. Trata-se de um setor “deep-tech” numa fase de constante inovação em que as redes de partilha de conhecimento são fundamentais. No entanto, o capital tem sido quase exclusivamente privado (capitais de risco), devido à escassez de projetos de investigação com financiamento público que permitam um acesso mais aberto à tecnologia. A Cell4Food apostou fortemente em parcerias com várias universidades e institutos portugueses (IST/IBB, UA/CBA, UM/CBMA). Na sua perspetiva, qual será o impacto desta nova tecnologia na agricultura, pecuária e aquacultura tradicionais? Poderá levar ao encerramento de empresas tradicionais e criar desemprego? Independentemente do ponto de vista, o impacto das novas tecnologias nos setores tradicionais é sempre inevitável, e quanto mais cedo houver um trabalho de equipa e colaboração mais rapidamente se poderão adaptar. De qualquer forma, não podemos esquecer as projeções de crescimento do mercado de proteínas animal a longo prazo. Por muito forte que seja o crescimento da agricultura celular (carne cultivada e fermentação de precisão) e dos produtos de origem vegetal, não vão conseguir acompanhar o crescimento global da procura. O que significa que, muito provavelmente, haverá mais produção de proteína animal tradicional em 2050 do que hoje! A existirem encerramentos em escala, e tal só acontecerá a muito longo prazo, será uma consequência do mercado (consumidores) que optará gradualmente por produtos mais saudáveis, sustentáveis e éticos. Um exemplo mais critico é a crise crescente no setor dos laticínios, que deverá perder uma grande parte do seu mercado na próxima década para produtos alternativos ao leite (iogurte e queijos) feitos com recurso à fermentação de precisão. Como será um processo muito lento, poderão ocorrer perdas graduais de postos de trabalho na agricultura tradicional, ao mesmo tempo que serão criados novos empregos nas indústrias emergentes da biotecnologia (com mais valor acrescentado). Mas o saldo final não tem que ser negativo, seguramente terá valor acrescentado. Quanto tempo será necessário para a carne cultivada atingir preços paritários com os da carne tradicional? Acreditamos que exista uma subida de preços médios mais acelerada nos produtos de origem tradicional devido às crescentes exigências qualitativas, sanitárias e éticas, assim como eventuais “impostos verdes”. O produto tradicional genuíno, de origem certificada e de elevada qualidade tenderá a ser considerado um produto cada vez mais raro e caro no mercado (de luxo a longo prazo). Ao mesmo tempo, devido à rápida inovação tecnológica, a redução de custos de produção na carne cultivada tem sido dramática (os custos caem a um ritmo superior ao que assistimos noutras inovações tecnológicas, como nos microprocessadores, nos painéis solares ou na genética). Quando se passar para a fase de scale-up (food-grade), a escala industrial alimentar permitirá atingir ganhos de produtividade ainda maiores, podendo facilmente atingir custos muito inferiores aos produtos tradicionais de espécies mais caras ou raras. Acreditamos que a paridade possa ser genericamente atingida na próxima década. Quantos anos deverão passar até consumirmos mais carne cultivada do que tradicional? É uma pergunta muito difícil, mas apostaria que em duas ou três gerações (cinquenta a 75 anos), a produção de carne com células cultivadas ultrapasse a produção tradicional. Vários estudos recentes de consultoras internacionais apontam para um objetivo muito ambicioso de 25% a 35% de quota já em 2050. n “Acreditamos que a paridade [de preço entre a carne cultivada e a tradicional] possa ser genericamente atingida na próxima década”
RkJQdWJsaXNoZXIy Njg1MjYx